Dra. Raquel Guimarães

Lúpus é uma doença autoimune crônica, caracterizada por períodos de atividade inflamatória intercalados com fases de remissão parcial ou completa dos sintomas.

A instalação da doença pode se dar de forma insidiosa (sintomas vão se somando ao longo de meses) ou subaguda (quadro clínico se estabelece em algumas semanas).

São descritas duas formas de Lúpus: Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES), em que há acometimento de órgãos internos, e Lúpus cutâneo, quando as lesões se restringem à pele. Cabe ao Reumatologista o acompanhamento da primeira forma.

O envolvimento de órgãos e tecidos ocorre nas mais diversas combinações, e também em graus variados de gravidade.

O QUE CAUSA O LÚPUS?

Ainda não se sabe o que determina o surgimento da doença. Acredita-se que seja uma combinação de fatores genéticos, ambientais (exposição ao sol e ao tabaco), imunológicos e hormonais (uso ou produção natural de estrógenos).

Do ponto de vista genético, é descrita uma alta prevalência da doença entre gêmeos idênticos (29 vezes maior que a da população geral) e nos parentes de primeiro grau (risco 17 vezes maior de desenvolver LES). 

A associação entre LES e deficiência de algumas proteínas do sistema complemento, especialmente C1q e C4, é bem determinada.

QUEM TEM LÚPUS?

O LES é uma doença reumática relativamente frequente. Pode acometer pessoas de todas as faixas etárias, sendo mais comum em mulheres em idade fértil. Estudos mostram que a evolução costuma ser mais agressiva em pacientes negros. No Brasil, estima-se uma incidência aproximada de 4,8 a 8,7 casos por 100.000 habitantes/ano. 

Acometimento pulmonar e renal

COMO A DOENÇA SE MANIFESTA?

O LES é caracterizado por vários defeitos no sistema imune com perda da autotolerância que resultam em um processo que começa na quebra da homeostasia (equilíbrio) celular e culmina com a produção anormal de autoanticorpos, cujo aparecimento antecede em anos os primeiros sintomas da doença.

Sintomas gerais como falta de apetite e perda de peso podem ser observados como quadro inicial da doença e preceder o aparecimento de outras manifestações em meses. Febre baixa, linfadenopatia (ínguas) localizada ou generalizada e crescimento de fígado e/ou baço também são comumente relatados.

As manifestações cutâneas são extremamente importantes para o diagnóstico. São identificadas em 70% dos pacientes no início da doença e em até 80-90% na sua evolução.

A principal lesão cutânea aguda é o rash malar ou eritema em “asa de borboleta”, identificada em 30 a 60% dos casos, sendo altamente fotossensível.

Outros achados frequentes são lúpus cutâneo subagudo (placas avermelhadas descamativas), lesões discoides (mais frequentes no couro cabeludo, orelhas, pescoço e rosto), úlceras orais, alopecia (queda de cabelo) difusa e fenômeno de Raynaud (extremidades arroxeadas).

A presença de dor articular e/ou artrite é muito frequente, podendo ser identificada no início da doença em 75 a 85% dos casos e na maioria dos pacientes durante a evolução.

As manifestações cardíacas e pulmonares variam em frequência e gravidade. São descritos derrame pleural (“água na pleura”), pleurite (inflamação da membrana que recobre o pulmão), hemorragia alveolar difusa (paciente tem falta de ar e escarra sangue), pericardite (inflamação da membrana que recobre o coração), hipertensão pulmonar e miocardite (inflamação do músculo do coração).

Crises convulsivas, psicose, meningite asséptica (aquela que não é causada por vírus, fungos ou bactérias), cefaleia (dor de cabeça), estado confusional agudo e alterações do humor são algumas das manifestações neuropsiquiátricas possíveis.

Até 74% dos pacientes com LES apresentaram alguma manifestação renal durante o curso da doença. A inflamação nos rins (nefrite) pode ocasionar inchaço dos MMII, urina espumosa, hipertensão arterial ou presença de sangue na urina.

O hemograma pode apresentar várias alterações. Anemia (seja por descrição das células vermelhas ou por uma menor produção na medula), alteração no número de linfócitos ou leucócitos (células de defesa) e queda na contagem de plaquetas são frequentes.

 

COMO É FEITO O DIAGNÓSTICO DO LÚPUS?

O diagnóstico é feito através do reconhecimento pelo Reumatologista de um ou mais dos sintomas acima, associados a alterações nos exames de sangue e/ou urina.

Embora não exista um exame que seja exclusivo do LES (100% específico), a presença do FAN (fator antinuclear), principalmente em títulos elevados, em uma pessoa com sinais e sintomas sugestivos da doença, permite o diagnóstico com boa margem de certeza.

Testes laboratoriais como os anticorpos anti-SM e o anti-DNA são muito específicos, mas ocorrem em apenas 40-50% das pessoas com LES.

Lesão em asa de borboleta

TRATAMENTO DO LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO

O passo inicial é educar paciente e familiares. A pessoa com LES deve ser encorajada a manter hábitos de vida saudáveis (cuidar da dieta, fazer atividade física regularmente, não fumar e evitar o consumo abusivo de bebidas alcoólicas). Evitar exposição à luz e usar protetor solar diariamente são hábitos muito importante.

Outra medida de ordem geral é evitar (ou suspender se estiver em uso) os anticoncepcionais com estrógenos.

O tratamento medicamentoso da pessoa com LES depende do tipo de manifestação apresentada e deve, portanto, ser individualizado.

Por se tratar de uma doença crônica, é importante orientar sobre a necessidade de acompanhamento prolongado. Isso não quer dizer que a pessoa terá que tomar remédios para sempre ou que não voltará a levar uma “vida normal”. A remissão do LES é possível!

Os remédios que agem na regulação do sistema imunológico no LES incluem os corticoides (prednisona, metilprednisolona), os antimaláricos (hidroxicloroquina e disfosfato de cloroquina) e os imunossupressores, em especial a azatioprina, ciclofosfamida, ciclosporina e micofenolato. Na última década, imunobiológicos foram incluídos nesse arsenal: belimumabe e rituximabe.

Fevereiro Roxo

QUEM TEM LÚPUS PODE ENGRAVIDAR?

A gestação não está proibida nas mulheres com LES, mas ela deve ser programada. O ideal é que essa paciente só engravide depois de alcançada a remissão completa da doença por mais de 6 meses. O Reumatologista deverá ajustar medicamentos e assim reduzir o risco de complicações como aborto, malformações, parto prematuro, doença hipertensiva de gestação e baixo peso do recém-nascido.

OUTRAS DOENÇAS PODEM TER OS MESMOS SINTOMAS DE LÚPUS?

Pessoas com hanseníase, hepatite C, rubéola, sífilis ou outras doenças autoimunes (Artrite Reumatoide, Síndrome de Sjogren, Psoríase) podem desenvolver sintomas muito parecidos com os do lúpus. Algumas alterações laboratoriais, incluindo o FAN positivo, também podem ser semelhantes.

Nos casos iniciais, o LES pode ser confundido com infecções e até mesmo alguns tipos de câncer.

Sempre que houver dúvidas no diagnóstico, o Reumatologista deverá ser consultado.

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